terça-feira, agosto 18, 2020

Herança

A casa dos meus avós fica em um terreno estreito e profundo:
um espinho no quarteirão.
A única janela voltada para rua 
é mantida fechada para esconderem-se do mundo.
(Como se o muro alto já não bastasse!)
A falta de aberturas mantém os ânimos na escuridão.

Na casa dos meus avós, os doces têm gosto de diabetes. 
O ar, pesado, cheira a urina, mofo e suor. 
As paredes transpiram tanto quanto seus moradores
e a tristeza penetra nos poros de quem entra lá.  
 
A casa não tem mais meus avós.
Escrevo no presente porque carrego o fardo da herança.
Tudo que é passado foi passado por meu pai para mim.
Medos acumulados nos armários. 
Medos que dissolvo na voz que tenho, enfim.